Era uma para três, esta semana ficas tu com a cabeça -mais saborosa-, tu com o meio, tu com o rabo, para a próxima troca se o turno.
E tão bem que sabia no pão cozido em forno de lenha de esteva, um sabor que a Europa nos tirou: o da farinha do nosso campo…
Menina da praia alugada de verão para servir no latifúndio com os tios da serra.
Pesar sacos de farinha na azenha pois sabia contar sem se enganar, grandes batalhas com os filhos do moleiro, farinhas e açoites a voarem… lembras te Zé Pedro quando gravaste toscamente as tuas iniciais e o ano, 1962, na parede da casa, quantos o teu pai te deu?
Ó Zé Pedro, se a farinha foi o teu bilhete de passagem desta para o nada a tua assinatura sobrevive no muro e na minha memória.
Lavar a roupa do latifúndio, branca e arrendada, aos sábados descíamos carregadas tal mulas pela vereda, a rir e a cantar. O senhor Xico, paz à sua alma de magano, vigiava o pomar carregado de ameixas, mas uma de nós passava por detrás encher uma alcofa enquanto as outras entretinham o marfado com gestos ousados e palavras inconfessáveis, ameixinhas prémio de consolação, que por serem furtadas ainda melhor sabiam…pois quando não se tem nem se permite que se tenha, que remédio, senão encher barriga onde houver!
Ti Maria, onde vais com essas estevas mulher dum cabrão, grita o Palmeira mostrando lhe a bicha de rabiar, ora pra casa fazer o jantar dos moços e do home, pra onde havia de ir? E as estevas, donde as fostes roubar? Donde as há senhor Palmeira, nã quer cá ca gente coma cru e tenha forças pra arcar pró patrão?
Sim, Encarna, voltei para o monte onde tudo mudou, o chicote do Palmeira carcomido, os senhores da terra que ainda lá andam mas já não mandam.
Pensavas que vos ia esquecer, até renegar, quando abalei. Lembro me dos teus olhos a faiscarem ódio e desprezo quando vos disse que não queria ter dono e que ia ganhar a vida no mar para nós todos.
Mas sempre voltei.
Sempre vos mimei.
Aprendi a comer à mesa dos ricos onde se multiplicam copos, talheres, manjares e convenções, mas é quando saco a navalha do bolso e talho no pão que me sinto como sou.
Presumes do que eu tenho mas que sabes tu do que sacrifiquei correndo mundos, de mente aberta, adquirindo outras fomes, outros desejos, outras culturas…
Mudei sim, mas no meu amor por vocês sou sempre a menina da praia, criança enjeitada, faminta de normalidade, de família e que na vossa ternura encontrou a sua redenção.
Não tenho cor.
Nunca tive.
Nunca encontrei uma que me ficasse a condizer.
A minha cor são vocês, minha família, o meu marido, a minha terra…
Como sempre o autor inventou tudo, sobretudo quando como eu vem de outro planeta… por isso fique aqui dito que qualquer semelhança com gentes ou lugares desta terra é mera coincidência e não implica qualquer responsabilidade por parte do autor.
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Armando Taborda said:
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