Chamávamos te a menina da praia, e gostámos sempre de ti.
Eras alegre, trabalhadora, sempre a cantar na ceifa, sempre a dar a mão… e eras magra e feia como uma arreigota, não fazias concorrência prós moços, eles viam te como um companheiro, só que não tinhas picha, isto sem querer ofender te!
Para o que ser bonita me serviu… foi o velho do Lopes, que o demónio lá tem e que o esturrique todos os dias, o que me tirou os três, lá nos caliptros do cerro da Galinha.
O safado encalçou me o rasto e nem de gritar servia. Lá tomei os chás da lua da tua avó, mas quando se me acabaram as ervas fiquei prenha e o Lopes virou se para outra.
Sabes que quando lhe morreu a mulher que Deus há de ter na sua grande misericórdia não houve moça ou mulher jeitosa no latifúndio que lhe escapasse: era isso ou desandar…
Então pôs se me encima o Palmeira, era isso ou não ter jorna, e com o filho a crescer nas entranhas… mas depressa o magano se cansou.
Pari do meu Ricardo, moço valente, do pai só os olhos daquele verde que nos gelava, mas de olhar manso, e que ao desenvolver não se alterou.
Tornei me presa fácil, cadela pró cio dos homens, andava sempre de cajado pronta a defender o que já nem era meu, e apareceu me o Chibre, moço doutra terra vindo ceifar, e esse até me quis casar.
Mal sabia eu o preço de me tornar respeitável, a alcunha era bem dada, aquilo era todas as manhãs, todas as noites e mais se pudesse. Quando eu estava naqueles dias em que me deveria dar descanso fazia isso ás avessas, e quanto mais eu gritava de dor mais besta o homem ficava.
Pari filhos e levei porrada, era o pão santo de cada dia, até parir levava lhe com o chibre e acabando de parir no dia mesmo mo metia ás avessas, logo depois, nem descansar do parto tinha direito, nem uma vaca, uma porca, uma ovelha, uma cabra é tão sacrificada…
Passaram os anos, veio o 25, pra mim a vida nem tanto mudou, levar com o homem encima quanto baste, levantar e tratar da lida, dos moços, da malga do homem, da horta, dos bichos, parir filhos que nem Deus de mim se apiedou, levar porrada quando o homem voltava com a bebedeira…
Alargaram se me as banhas de tanto parir, descaíram se me as tetas de tanta mamada, desmontaram se me as costas de tanto arcar…
Cada vez menos havia trabalho, o campo já não se cultivava, o homem foi prá França, ficas cá com os cabrões dos moços e a minha mãe que vem viver contigo, assim se te arderem as beiça ela prega te com a cona no poço, minha rica sogra que Deus me deu, tão meiga quanto o filho era bruto, minha melhor amiga, minha companheira.
E com o vale que chegava todos os meses certinho melhorámos a casa, comprámos porcos, televisão, máquina de lavar a roupa, os moços andaram na escola e até não ficaram mal na vida, todos com emprego, o que pelos dias que correm se não é milagre é paga de Deus pelo sofrido.
O homem por lá continua, só em Agosto vem á terra, é o meu mês de sacrifício, chibre sempre alçado apesar dos anos, e sempre à retaguarda porque sabe que não gosto… mas, enquanto eu me sacrifico um mês, lá pela França deve haver uma coitada para quem esse mês é abençoado descanso… não sei nem quero saber, que me mande o dinheirinho e que vá ganhando prá reforma e, Deus me perdoe o mau pensamento, que a ceifeira mo leve antes que tenha ideias de voltar viver cá prá terra…
Como sempre o autor inventou tudo, sobretudo quando como eu vem de outro planeta… por isso fique aqui dito que qualquer semelhança com gentes ou lugares desta terra é mera coincidência e não implica qualquer responsabilidade por parte do autor.
3 comments
Armando Taborda said:
Não pares de escrever, Isabel!
Xata replied to Armando Taborda:
Xata said: