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A morada de Deus ( )
Quando os deuses nos querem castigar respondem ás nossas orações
Memórias de África
Quando eu era muito pequena, havia na minha casa um sipaio ao serviço do meu pai que exercia funções para o estado colonial português.como administrador numa vila chamada Cassanguidi, na Lunda Norte em Angola

(Um sipaio é um militar indígena recrutado geralmente para policiamento local e também na casa do administrador) .

O nome dele era Kesa e para mim com os meus cinco anos, Kesa era já um homem muito velho embora agora me aperceba que não teria mais de 45 anos
.E também muito sábio.
Kesa para além de exercer as funções que lhe competiam, era também uma espécie de guardião das crianças de casa, eu, a minha irmã e os filhos dele e vigiava permanentemente as nossas brincadeiras que nos levavam por vezes para muito longe.


Nascer e passar a infância em África apercebo-me agora foi a maior benção que a vida me deu. e um privilégio.
Não existiam barreiras e nem o céu era o limite tal era a distancia a que estava da savana..E era tudo nosso..!
Num dia em que o céu parecia tão pertinho de nós que quase o podia tocar com os dedos reparei em Kesa sentado numa pedra, a acariciar a cruz de madeira que trazia no seu colar feito de sementes à volta do pescoço
E perguntei a Kesa : .
Kesa, onde é que Deus mora?
A resposta dele foi instantãnea.
No lago do Luembe onde costumam beber os elefantes e as gazelas... .
No lago dos elefantes... ???
Sim é lá que o N'zambi mora, disse ele muito sério-

Uns tempos depois fomos fazer um piquenique para as margens do Luembe e Kesa e a familia foram connosco.
A zona era aprazível e tinha uma espécie de pequenas praias fluviais, e paramos para ver os elefantes.


Kesa é aqui que mora Deus, perguntei eu .?

Vem cá, moninha.

.E levou-me até á beira do lago onde parou e olhou para o fundo. Curiosa, espreitei para ver o que estava ele a observar. Aquele homem que tinha tanto de grande como de bom sorriu e levantou-me nos braços.

-Sabes quem mora lá embaixo?
Abanei a cabeça.
- É N'zambi disse ele.
- Olha, e puxou-me mais perto da borda.

Na água parada, que mais parecia um espelho, eu vi o meu reflexo
- Mas, aquela sou eu!!

-Ah !- Retorquiu ele pondo-me delicadamente no chão
Agora já sabes onde mora Deus.


Passaram muitos anos o teor da conversa terá sido eventualmente parecido e até mais em ( dialecto kioko) que eu dominava perfeitamente
Na minha lembrança o que perdura agora são os momentos os lugares e as pessoas que amei
Mas Kesa e a lição que me ensinou para o resto da vida perdurarão para sempre...
E sempre que recordo a lição que Kesa me ensinou vem-me á memória o que disse Santo Agostinho expressando-se em latim dizendo:

«Intimior íntimo meo’»

Onde quer que estejas Kesa, sei que velaras por mim.
LuzB

4 comments

Karp Panta said:

Gracias Luz por este regalo que nos traes.
Y lo escribes tan bién que es un placer haberlo leído.
5 years ago ( translate )

Luz •.¸¸ ㋡ said:

Obrigada Karp. É muito gentil.
As coisas escritas com o coração têm outro significado!
5 years ago ( translate )

AnaClara said:

Xii mana...! Ainda bem que vim até aqui... Que saudades me despertaste... Até do Kesa... Que mundo de recordações de repente vieram à minha memória!!
E descreveste esta viagem pelo mato como ninguém!!! Até chorei!!
5 years ago ( translate )

Luz •.¸¸ ㋡ said:

Estás a ver o que estás a perder???
5 years ago ( translate )